Pedras rubras

ao Hugo

Cinco horas p.m. eu ia na estrada para o Porto
e enquanto as tuas asas subiam
as minhas tinham ficado sob as pedras logo a seguir
ao check in. Sabes como é o campo
depois de tanta chuva? O campo que corre
a cem quilómetros por hora enquanto acima das nuvens
tu planas como se não houvesse leis? Hoje sinto
no corpo a lei da gravidade, a ditadura do peso.

Nove horas p.m. no teu quarto. Levitas e eu fico a ver-te
nos papeis que deixaste sobre a mesa (estavas a ler no Forum
a matança das focas) e agora há menos ozono no teu quarto,
as paredes queimam por dentro da pele e eu não tenho
os ossos leves, ecrã total. Esqueci-me de alguma coisa,
uma coisa que faria mudar tudo: a consistência dos ossos,
as portas que te afastam, a cor do azul acima do horizonte.
Talvez só me tenha esquecido do horizonte, 11 horas p.m.
– uma linha que se desfaz contra as paredes do estômago.

In Da Alma e dos Espíritos Animais (2001)