Atrás dos dias

ao Hugo

Atravessas as ruas e o meu olhar anda
à volta do teu corpo e quando vais à escola
passo perto dos teus pés, das pernas nuas.
À tarde nos passeios apinhados de gente
não sei onde estou mas trago leite nas mãos
e o mel desce sobre a fome que pudesses ter
para que rias, a tua boca se transforme em trigo
e os teus olhos em luz. Brincas com um amigo,
eu arranco os pregos da madeira, amacio o chão
em que tropeças. Fazes os deveres, ensino
os números a obedecerem-te e a amares
as letras umas ao lado das outras, solidárias
como uma pequena vírgula para que o silêncio
receba a tua voz. Voo junto às tuas asas,
lubrifico-as e fico a ver como se suavizam
os traços do teu rosto. Agora vais partir.
Irei um pouco atrás com a cor da tarde
para não ser vista. Por mais que vás
estarei de mansinho atrás das asas. Ser mãe
é ir assim. É assim que vou à fonte.

In Da Alma e dos Espíritos Animais (2001)